segunda-feira, 19 de agosto de 2019

A Evolução da Camuflagem, por Herton Escobar, no Estadão

Eis um pequeno vídeo que fiz de um polvo ontem, no fim de um mergulho, a menos de 2 metros de profundidade. Notem como ele, visto de longe, se parece com o formato das “pedras” (na verdade, corais) ao redor … Coincidência? Claro que não!
Todo mundo conhece o exemplo do camaleão. Mas o verdadeiro mestre dos disfarces e da camuflagem na natureza é o polvo. Ele tem uma capacidade incrível de mudar não só suas cores mas a textura de sua pele instantaneamente, de acordo com as características do “pano de fundo” no qual ele se encontra. E também é inteligente o suficiente para adotar posturas semelhantes aos objetos que o rodeiam, para se mesclar ainda mais ao ambiente. Alguns polvos até imitam outros animais ou objetos “caminhando” sobre o leito marinho. A internet está cheia de vídeos com exemplos magníficos disso … (este é apenas um pequeno exemplo que eu tive a oportunidade de filmar aqui em Bonaire).
Essa capacidade de se camuflar no ambiente é uma forma de “mimetismo”. Os polvos desenvolveram essa técnica ao extremo, mas quase todos os animais a praticam de alguma forma, pois a camuflagem é uma das estratégias mais básicas de sobrevivência na natureza. E é também um ótimo exemplo de como funciona o processo de seleção natural …
Me lembro das primeiras vezes que caminhei pela selva amazônica … Levei um susto! Todo mundo acha que vai entrar no mato e dar de cara com onças, macacos, e ser atacado por cobras e insetos de todos os tipos, por todos os lado. Mas a coisa mais difícil dentro da floresta é ver algum bicho! Você os escuta, mas não o vê! … Uma das razões é que a floresta é muito grande e muito vasta, tanto na vertical quanto na horizontal, por isso os animais “se perdem” na imensidão. Outra é que praticamente todos os animais têm algum tipo de camuflagem. Nenhum bicho tem a aparência que tem por acaso … Se ele é verde ou amarelo, redondo ou quadrado, liso ou rugoso, é porque isso lhe dá alguma vantagem de sobrevivência.
Vejam esses sapos da foto abaixo, por exemplo …
Eles não são parecidos com as folhas do solo da floresta onde vivem por acaso. Nem tampouco “escolheram” ser assim.  Um dos erros mais comuns na interpretação da teoria da evolução por seleção natural é achar que os animais (ou plantas) desenvolvem uma característica “propositalmente” para atingir um determinado objetivo ou executar uma determinada tarefa. Por exemplo: a girafa crescer um pescoço mais longo para alcançar folhas mais altas nas árvores. Sim, o pescoço longo das girafas se desenvolveu com esse objetivo, mas não por um esforço das girafas de esticá-lo. As girafas têm pescoço longo porque, ao longo do processo evolutivo, seus ancestrais que tinham um pescoço naturalmente mais longo (dentro da variabilidade genética/morfológica natural que existe dentre os indivíduos de qualquer espécie) tinham uma vantagem na hora de se alimentar. Portanto, sobreviviam com mais frequência em períodos de excassez e deixavam mais descendentes do que os indivíduos de pescoço mais curto da mesma população. Em outras palavras: o pescoço longo foi “naturalmente selecionado” ao longo de milhões de gerações de girafas, por ser vantajoso para elas, até se tornar uma característica padrão de todos os indivíduos da espécie.
O mesmo vale para a camuflagem (que, para ser mais específico, é apenas uma das formas de mimetismo … outras incluem imitar outros animais, literalmente, ou ter “olhos falsos” no corpo para parecer maior e assustar predadores, por exemplo). Os sapos da foto abaixo são assim porque seus ancestrais que, por “sorte” (dentro da variabilidade genética/morfológica natural que existe dentre os indivíduos de qualquer espécie), eram parecidos com as folhas ao redor sobreviviam mais dos que os outros da mesma população que não eram tão parecidos com folhas. Quem parecia mais com folhas passava despercebido no solo da floresta e era devorado com menos frequência por predadores, comparado aos indivíduos da mesma espécie que, por “azar”, eram menos parecidos com folhas. Até que, tal qual o pescoço longo da girafa, a coloração e a forma camufladas de folha se tornaram o padrão da espécie. Não só isso, mas, geração após geração, o disfarce foi ficando cada vez mais aperfeiçoado, pois a natureza selecionou sempre os mais parecidos com folhas, gradativamente.
Imagine só!
Para ver mais exemplos incríveis de mimetismo, clique nessa galeria de fotos da National Geographic.
Abraços a todos.

Três sapos coletados a poucos metros de distância ficam quase invisíveis no solo de uma floresta no Panamá. Nos trópicos, em que quase tudo é alimento para outro animal, os truques do mimetismo servem para enganar o olho dos predadores. Espécie: Rhinella margaritifera. Foto de Christian Ziegler

A coloração e o padrão de pintas do pelo do leopardo faz o animal praticamente "desaparecer" entre a relva da savana africana. Photograph by Sarah Street/National Geographic



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